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A responsabilidade do médico na Reprodução Humana Assistida

 

ABRIL 24, 2021 | ELAINE MAIOLLI | BLOG

Para inaugurar o nosso cantinho do conhecimento, não podia ser outro tema, senão bioética, a minha paixão no Direito, e claro com enorme satisfação, venho apresentar um “spoiler” como dizem nas redes sociais do meu TCC elaborado para a conclusão na especialização de Direito Médico e Hospitalar.

 

Para iniciarmos a conversa, é importante mencionar que a reprodução humana assistida (RHA) é uma grande aliada na ciência para casais que se encontram com dificuldades de terem filhos.

 

Atualmente, grande parte das mulheres optam por engravidar após o sucesso profissional, planejando a maternidade após os 30 anos de idade. Essa decisão impacta no curso natural da vida, ou seja, em decorrência da idade, o corpo da mulher passa por transformações, no tocante a reprodução feminina, temos em decorrência da idade a redução de quantidade e qualidade dos óvulos.

 

Nesse sentido, vale esclarecer que a infertilidade não decorre apenas nas mulheres, a dificuldade poderá estar relacionada com os homens, dentre as causas relaciono: mulher: disfunção na ovulação; obstrução tubária; síndrome do ovário policístico; endometriose; miomas; obesidade, quanto aos homens: anomalia na produção de espermatozoide; problemas inflamatórios; disfunção hormonal; fatores genéticos; e varicocele.

 

A reprodução assistida consiste em técnicas utilizadas por médicos especializados, com objetivo de fecundar o óvulo com o espermatozoide, ou seja, viabilizar a gestação.

 

Na reprodução assistida temos como principais técnicas: Coito Programado; Inseminação Artificial intrauterina (IIU); Fertilização in vitro (FIV); Injeção Intracitoplasmática de Espermatozoide (ICSI); Maturação in vitro de Óvulos (IVM); Criopreservação (congelamento de óvulos, sêmen e embriões); Doação de gametas e embriões, Gestação de substituição (doação temporária do útero), e outras.

 

Para adentramos no tema principal sobre a responsabilidade do médico na RHA, esclareço como fator essencial que poderá influenciar todo o percurso desde o primeiro contato até o suposto erro médico é a relação médico-paciente.

 

Existem algumas premissas que devem acompanhar a relação médico-paciente para que esta seja saudável, quais sejam: reciprocidade, confiança, autoridade e ética.

 

A relação médico-paciente é extremamente complexa, denota de humanidade, respeito, confiança, autonomia do paciente e comunicação efetiva.

 

Outra questão muito importante na relação médico-paciente, correspondente a sua base, e, sub-rogada a confiança, é quebra do sigilo, uma vez caracterizada se torna uma perda irreparável que ocasiona sérias consequências para o profissional, seja no âmbito ético ou penal.

 

Na RHA o sigilo médico é primordial, uma vez que o anonimato dos doadores de material genético e os receptores é obrigatoriamente necessário para preservação de eventuais conflitos de filiação.

 

A obrigatoriedade do sigilo está regulamentada na Resolução do Conselho Federal de Medicina nº 2.168/2017, no entanto, essa obrigatoriedade não é intransigível, havendo exceção somente nos casos de tratamento de doenças genéticas do filho gerado pela reprodução assistida heteróloga. Neste caso, somente o médico terá acesso às informações do doador, preservando o anonimato da identidade, devendo a clínica ser responsável pelo material genético, mantendo em seu banco de dados os registros dos doadores de forma perpétua, não podendo de nenhuma forma haver o descarte das informações.

 

Diante do anonimato do doador vemos um claro confronto com o direito de identidade genética do filho gerado nessa relação, e ainda, temos outro ponto de grande relevância que deve ser analisado, a possibilidade de relações incestuosas ocorridas da utilização indiscriminada do mesmo material genético, já pararam para pensar? No entanto, o assunto é muito polêmico, e o intuito desse artigo é justamente conversar um pouco com vocês sobre a responsabilidade do médico na RHA.

 

Não podemos esquecer do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), documento extremamente importante na RHA, no qual tem por finalidade a informação ao paciente, vez que deverá conter discriminadamente todos os atos e processos que deverão ser realizados; consequentemente, gerando autonomia ao paciente, vez que este terá alternativas para escolha de qual tratamento seria o mais adequado; além da preservação do médico; minimização de demandas judiciais, etc.  

 

O conceito de responsabilidade civil é o direito de reparação diante do dano causado a outrem em razão de uma ação ou omissão, dolosa ou culposa.

 

Neste artigo, não vou adentrar a conceitos de culpabilidade, nexo de causalidade, porque o meu objetivo é que qualquer pessoa que leia possa ter uma compreensão panorâmica quando se fala em responsabilidade médica, e principalmente os profissionais da saúde especializados em RHA.

 

De forma resumida, no âmbito do Direito Médico a responsabilidade civil do médico, é subjetiva, enquanto a dos hospitais e clínicas é objetiva. Não entendeu? Vou explicar melhor.

 

A Responsabilidade subjetiva é aquela considerada de meio e não de resultado, o médico deve fazer tudo o que está ao seu alcance para o bem-estar do paciente, utilizando-se de métodos adequados, atenção e zelo, no entanto, esclareço que não se pode exigir do médico uma obrigação de resultado, ou seja a garantia de cura, exceto no caso do cirurgião plástico, uma vez que, devido a sua finalidade ser puramente estética, o médico irá responder por obrigação de resultado.

 

Aplica-se a teoria da responsabilidade objetiva aos hospitais, clínicas e laboratórios, no sentido da prestação de serviço oferecida ao paciente (consumidor), é importante esclarecer que a responsabilidade somente será objetiva quando a lei assim determinar ou quando o causador do dano exercer atividade de risco.

 

Nota-se que cada vez mais casais buscam as técnicas de reprodução assistida para concretizar o sonho de terem filhos, depositando nos profissionais da saúde seus medos, inseguranças, sonhos, esperança e expectativa.

 

Diante deste cenário, os médicos devem se atentar a todos os cuidados éticos e jurídicos a fim de se resguardarem no futuro. É necessário que o médico possua expertise na área da reprodução humana, pois qualquer deslize que cometa ao aplicar as técnicas de RA representaria o descumprindo da relação obrigacional entre partes, devendo responder pelo ato lesivo que causar ao paciente, juntamente com a clínica na qual presta serviço. Lembrando que a clínica responderá de forma objetiva quando ocorrer algum erro na reprodução assistida, conforme já explicado acima.

 

É dever dos médicos informarem ao paciente todos os riscos, contraindicações, benefícios, o tratamento/técnica indicada, a porcentagem de êxito na fecundação, e, principalmente, se for necessária intervenção cirúrgica.

 

Nas técnicas de reprodução assistida a elaboração de TCLE é indispensável, pois trata-se da segurança do paciente e do profissional, podendo em caso de sua ausência, gerar responsabilidade civil devido à falta de informação, bem como, devido a suposto erro no tratamento propriamente dito.

 

É necessário esclarecer que apesar da relevância do TCLE no ordenamento jurídico, este não deve ser considerado um salvo conduto para o médico.

 

Podemos concluir que a responsabilidade do médico na RHA deve ser precedia de uma conduta médica danosa ao paciente.

 

Para finalizar, o profissional do direito ao analisar o tema reprodução humana assistida, necessário considerar que envolve questões éticas, de cunho moral, religioso, princípios constitucionais, nos quais para muitos questionamentos não temos normas jurídicas para respaldar o assunto, assim, devemos buscar auxílio na bioética e no biodireito, a fim de equilibrar a ciência com o direito fundamental da vida: a dignidade humana.